segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Divagações sobre o mercado fonográfico

Uma das grandes crises geradas pelo surgimento da Internet está no mercado fonográfico. Através de tecnologias P2P e outras formas de compartilhamento de arquivos, ficou cada vez mais inviável a tentativa de controlar a disseminação gratuita de conteúdo de áudio pela web. Isso hoje é uma realidade contra a qual não adianta mais tentar-se combater. Ponto.

No entanto, essa nova realidade nos obriga a fazer algumas reflexões importantes sobre o que está em jogo e como seria um possível cenário dentro dessa realidade.

Primeiramente, gostaria de tratar o assunto do ponto de vista do usuário. Inegavelmente é uma enorme vantagem para o usuário o fato dele poder consumir um produto sem que precise pagar algo por isso. Essa realmente é a grande vantagem, inegavelmente. No entanto, essa necessidade não surgiu com a Internet. Ela apenas foi potencializada pela sua tecnologia. Quem, nos anos 80 e 90, não gravou uma fita cassete com um disco de uma banda que gostasse, mas não tinha dinheiro, interesse ou acesso para comprar o seu CD/LP? Claro que a escala era muito menor, o que não significava um dano à indústria fonográfica. No entanto, o importante é que ali já estava presente a necessidade. Ela sempre existiu, não surgiu com a Internet.

Nesse exemplo, entra um outro ponto fundamental dessa história: o acesso. Antigamente ficávamos reféns das gravadoras. Se a banda que eu gostasse não tivesse o seu CD lançado nacionalmente, tínhamos que comprar a sua versão importada. E ela custava caro pra caramba! Isso para não dizer quando a gravadora fazia um péssimo trabalho de divulgação. Às vezes tinha que ficar esperando meses até que finalmente o CD chegasse às lojas. Aliás, as próprias lojas não ajudavam muito, pois normalmente só disponibilizavam álbuns de grandes artistas em seu acervo. As lojas mais especializadas também eram muito caras, pois sabiam que o seu produto era raro. Quem gosta de algum gênero musicial um pouco mais “underground” e viveu nos anos 80 e 90 sabe do que estou falando. Nesse sentido, podemos dizer que a revolução que acontece agora dá um sentimento de vingança para quem passou por tudo isso. Agora nós temos o poder!

Mas isso nos remete ao ponto de vista do artista. É inegável que os downloads gratuitos estão tirando dinheiro dos artistas. A venda de CDs sempre foi uma das principais fontes de renda dos artistas. No entanto, ela trouxe alguns pontos bastante positivos ao meio artístico, os quais gostaria de compartilhar com vocês logo abaixo.

  1. Mais pessoas têm acesso ao trabalho dos artistas. Quem em sã consciência brigaria com o mundo pelo fato de haver mais pessoas ouvindo o seu trabalho? Esse não é o objetivo de qualquer artista? Ter o seu trabalho reconhecido pelo máximo de pessoas possível? E se mais pessoas têm acesso ao seu trabalho, mais elas o disseminam para outras pessoas o que se reflete em maior público em shows, venda de merchandise, etc. Então, de alguma forma, isso pode, sim, estar gerando receita para os artistas. Não diretamente, mas através de outras fontes. Além do fato de que isso permite lançar um trabalho com um menor investimento em promoção.
  2. O que passa a ter relevância é a música. Para quem faz música de qualidade, isso é um diferencial importante, pois esses vão continuar mantendo uma base consistente de fãs que vão com certeza aumentar com o passar do tempo. No entanto, se você é um artista que precisa ter um clipe superproduzido, com quarenta bailarinos, uma coreografia com conotação sexual, explosões no palco e roupas de moda para se vender, então deve realmente ficar preocupado, pois a imagem perde relevância. Se o futuro por um acaso acabar com as gravadoras (o que acho que não ocorrerá) vai ser difícil emplacar sem o jabá, participando de todos os programas de TV de todos os canais das grandes emissoras. Voltaremos às raízes da música, onde o que importa é a obra do artista.

  3. Novos artistas podem divulgar os seus trabalhos para mais pessoas. Com um pouco de criatividade e talento, você pode ter os mesmos resultados de divulgação que um artista top, tendo um esforço imensamente inferior de investimento. Quem não conhece o clipe da banda Ok Go! (aquele das esteiras!)? O clipe é tosco, feito em um take com uma única câmera, mas, depois de publicado no Youtube virou fenômento na rede e foi visto por milhões de pessoas que passaram a conhecer o seu trabalho. Alguns gostaram e foram atrás de suas músicas e outros ao menos ficaram com uma boa impressão e uma boa lembrança da banda. Também temos o exemplo da banda Arctic Monkeys que era febre na Internet antes de ser contratada por uma gravadora. Antes da Internet, essas bandas tinham que gravar um CD independente e lutar muito para que uma gravadora se interessasse pelo seu trabalho. E quantas boas bandas não devem ter se perdido pelo fato das gravadoras não demostrarem interesse no seu trabalho, muitas vezes baseado num sentimento do que era “vendável” ou não. Hoje, quem decide se a banda é boa ou não é o público.

Claro que a remuneração é um ponto importante. Mas nesse sentido, já temos algumas experiências interessantes. A banda Radiohead, após o vencimento do seu contrato com a sua gravadora resolveu lançar de forma independente o seu novo álbum. No entanto, antes do lançamento do álbum físico colocou-a para download no seu site, no qual o usuário decide quanto quer pagar por ele. E você pode resolver não pagar nada por ele! E não é que tem gente que paga! Quase metade dos usuários e em média pagaram 2,47 libras. Claro que isso se refere à versão para download, pois o disco com o boxset tem um valor fixado de 40 libras. Mas se o problema são os downloads ilegais, é esse tipo de venda que importa, não? O que der para ganhar de uma fonte que hoje não gera nenhuma receita é lucro! Ainda mais pelo fato de que não se tem quase nenhum custo para a venda. Resultado: esse é o disco com o qual a banda teve o maior retorno financeiro. É claro que devemos considerar que o Radiohead já é uma banda bastante conhecida, mas também temos que ponderar que a sua fama foi feita em uma época diferente da que vivemos atualmente. Será que uma banda não consegue alcançar esse nível de reconhecimento sem uma gravadora, apenas utilizando a web como meio de divulgação? O tempo dirá...

Para fechar as divagações sobre o assunto, gostaria de compartilhar um trecho de uma matéria sobre o assunto que li em uma edição da revista Super Interessante (edição 223) que acho que resume bem esses pontos expostos acima. Na matéria, é citada uma pesquisa realizada por Joel Waldfogel e Rafael Rob da Universidade da Pensilvânia, EUA, que apontou que as redes P2P de fato provocaram uma queda nas vendas dos artistas mais populares, que respondem por uma parcela de 25% do meio musical. No entanto, os outros 75% de músicos menos conhecidos aumentaram suas vendas graças ao maior espaço para divulgação. No entanto, a conclusão mais surpreendente do estudo é que, em geral, essas redes trazem 3 vezes mais ganhos para a sociedade como um todo do que as perdas que provocaram para a indústria musical. Segundo a conclusão dessa pesquisa, não existem mais bandas desconhecidas, seriados antigos ou filmes fora de catálogo. Os consumidores se tornaram mais instruídos, exigentes e seletivos. Tudo está à disposição. O problema é como garantir essas vantagens e ainda recompensar artistas e gravadoras.

Um comentário:

  1. Belo artigo...completo, informativo, abordando bem a questão. Parabéns...ta escrevendo bem viu maninho. Abração.
    Cristiano

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